Nesta sexta-feira (30), no encerramento do ‘Setembro Amarelo’, de prevenção ao suicídio, a CMJP realizou sessão especial para debater o tema
Nesta sexta-feira (30), marcando o encerramento do ‘Setembro Amarelo’, mês de campanha para prevenção ao suicídio, a Câmara Municipal de João Pessoa realizou sessão especial para debater o tema. Presidida pela vereadora Rebeca Sodré (União Brasil), o evento contou com a presença e participação de representantes de diversos segmentos, mas, especialmente, da saúde e da educação.
De acordo com a parlamentar, o suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. “Durante este mês, debatemos a importância de falar sobre esse tema, porque é preciso falar para prevenir. Todos os problemas relativos à saúde mental parece que não entram nas políticas públicas, na saúde, mas que devem ser debatidos, porque podem ajudar muitas pessoas”, afirmou.
Ela ainda informou dados de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS): “A gente teve 700 mil suicídios registrados em todo o mundo, mas, quando se fala em casos subnotificados a gente acha que esse patamar pode chegar em torno de 1 milhão. No Brasil, estamos na contramão do mundo, que vem diminuindo o número. São 14 mil casos de suicídio no Brasil. (…) Quando finalizar o dia de hoje, 38 pessoas terão tentado ou cometido suicídio. Por que isso está acontecendo? Em crianças, essa realidade é ainda pior, porque elas não sabem pedir ajuda. E essa ajuda, muitas vezes, chega na escola, através da professora ou até mesmo de um coleguinha. (…) Outro dado da OMS nos relata que praticamente 100% dos casos de suicídio estão relacionados a doenças mentais não tratadas”.
A psicóloga Roseane Gomes explicou que compreende que a psicoeducação é fundamental para evitar um ato suicida, além da observância às mudanças de comportamento e o acolhimento. O suicídio, segundo ela, é multifatorial. Ela ilustrou a situação como um copo que todos os dias enche um pouco mais até que uma gota d’água seja o limite para várias crises que estão acontecendo: “Chega um ponto de não suportar”.
Também foi ressaltada a importância da sensibilidade ao outro. A advogada Itarlene Oliveira disse: “Nós não somos merecedores de nada. Tudo de bom que acontece em nossas vidas é graça de Deus. Ele se encarnou como um ser humano para saber o que é a sede, a fome. E, hoje, a gente tem essa dificuldade de ouvir e de se colocar no lugar do outro. A gente, às vezes, está tão envolvido conosco e com o nosso ego, que não consegue ser sensível e ver a alegria do outro e chorar com o outro. É preciso ser empático com o próximo”.
O pastor Anderson Firmino disse perceber que, de fato, o assunto não é fácil. A fé e a religiosidade são, para ele, formas de tratamento. “Cristo teve a capacidade de antecipar assuntos que a psicologia e a psicanálise vieram falar bem depois, como empatia e compaixão. Ele não apenas falou, mas praticou. Cristo não só sofreu, mas ele assumiu nossas dores, andou na nossa história, num grande ato de amor ao próximo. Tiago vai dizer que todos nós devemos ser tardios no irar, no falar e sempre estar prontos a ouvir. (…) Cerca de 70% daqueles que estão em crise, se encontrassem um ouvido para abrir sua fala, parariam no processo suicida. A fé cristã é um grande instrumento de escuta”, enfatizou.
Por sua vez a professora Raquel Xavier, diretora da Escola Antônia Rangel de Farias, falou da realidade nas escolas: “Trazendo para a educação, não tem momento mais oportuno que este, porque os alunos estão voltando de um período de reclusão. Quando retornaram à escola com aulas presenciais, percebemos um perfil de estudantes mais ansiosos, desmotivados, tristes, perderam totalmente a socialização entre professores alunos e funcionários até. Semana passada, no dia 21, levamos profissionais da psicologia para debater e entender com os alunos o momento difícil que eles passam agora. Foi um dia em que a gente pôde ouvir relatos de alunos que tentaram suicídio nesse período por não terem uma rede de apoio. Nós, enquanto educadores, temos um comprometimento com o aluno que vai além do pedagógico. Nosso comprometimento, enquanto escola, também é emocional, também faz parte da vida do aluno a socialização, o diálogo com o professor, com a coordenação. Tudo isso foi perdido durante esse tempo”. Ela enfatizou: “É muito importante que a escola tenha esse compromisso com a vida do aluno. (…) Todas essas questões precisam ser tratadas para que o aluno tenha sua estabilidade emocional garantida também no ambiente escola. Na nossa escola, já faz parte do calendário pedagógico o ‘Dia D do Setembro Amarelo’”.
A médica Fernanda Alves lembrou que a campanha surgiu a partir de um acontecimento nos Estados Unidos, em 1994. No sepultamento de um jovem que cometeu suicídio, familiares e amigos distribuíram fitinhas que diziam: “Por favor, peça ajuda. Estamos aqui. Se cuide”. “Quanto mais a gente falar sobre isso, sobre o amor de Deus, enviar amor através das palavras, a gente vai evitar perder vidas”, reforçou. Sobre sua vivência na profissão, relatou: “Se a gente não tiver suporte para falar sobre, a gente pode chegar a esse ponto [de cometer suicídio]. Recebemos muitas pessoas que só querem receber uma palavra de consolo, buscam a urgência para isso, porque o emocional vai para o físico”.
A psicóloga Ariadne Bezerra contou que os principais conflitos que percebe são com a família: “Crianças e adolescentes pedem ajuda, pedem que levem ao psicólogo, mas tem um tabu. Muitos dos meus pacientes tentaram suicídio. É uma luta de nós, família. Deixar de lado a nossa correria. O mundo pede que a gente corra muito, até colocando nossos filhos em várias atividades pra que eles também possam correr, e a gente acaba esquecendo que nosso tempo com eles faz a diferença. A gente possa aprender a enxergar os sinais que eles nos dão”.
Flavina Coutinho relatou que sua luta contra a depressão a levou a tentar suicídio três vezes e descreveu que começa com uma ansiedade, seguida da palpitação e dores no corpo que não sabe explicar o que são. Para ela, o sentimento de inutilidade não é bom e, por isso, pediu: “Façam com que seus filhos, irmãos, se sintam úteis”.
O psicólogo Alisson Paulo chamou a atenção para a pessoas afetadas com a tentativa ou concretização da ação: “Dizem as teorias que a cada uma pessoa que comete suicídio, 6 pessoas ficam afetadas. Quem fica com essa dor, para onde vai essa dor? Quais são as redes que estão à disposição dessas pessoas? Essas pessoas muitas vezes são julgadas. Além da dor, vem o julgamento. Então, quem fica, fica diante de um caos. Quando se comete esse fato não é por intenção de tirar a vida, mas de acabar aquela dor. Se você não tem como falar, apenas abrace. Que sejamos acolhedores”.
O pastor e terapeuta familiar Antomari Trajano, representante da Associação Educacional Jean Piaget, compartilhou que montaram na instituição um setor de apoio psicológico e pedagógico para os grupos de alunos. Ele ressaltou, então, a importância de uma equipe multidisciplinar para cuidar dessas situações: “Psicólogo e assistente familiar entram em lugares que o poder público não pode entrar. E, nós, como terceiro setor podemos entrar em ambientes em que a gente pode ouvir, tratar e não coisificar”.
Adriana Lacerda, psicóloga clínica, propôs a reflexão: “Estamos vivendo ou existindo? Viver é mais complexo. Diante da ideação suicida, tenho me deparado com questões simples e da assertividade da escuta. O que é empatia? É dar espaço, compreender a fala do outro, empaticamente. Não só levem [aos consultórios], não só escutem, mas compreendam empaticamente. É um trabalho conjunto”.
Já Alexandra Cristiane salientou que é preciso se preocupar, também, com nossas dores: “Precisamos olhar para dentro de nós e saber que essa dorzinha pode se transformar em algo grandioso que não vou conseguir dar conta. Então, preciso tratar essa ferida, (…) preciso dessa sensibilidade com o outro e comigo também. (…) Precisamos ser multiplicadores de saúde mental, em casa, com os amigos, no curso, levar esse olhar, essa sensibilidade”.
O doutor Fred Quirino alertou para atuação na prevenção, percebendo as atitudes, se alguém parece estar mais deslocado e pediu que as pessoas busquem conversar, saber como foi o dia do outro. Railma Moreira acrescentou que as redes sociais também podem causar problemas de comparação entre os jovens: “É algo para ser debatido, falado. É necessário acionar a rede de apoio, saúde, família, assistência social”.
Sílvia Lacerda, do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Caminhar, trabalha há 15 anos na área e afirmou enxergar as dores dos pacientes e familiares. Enquanto profissional, ela entende que quando se identifica o adoecimento de um ser, a família também adoece junto: “Aí, a importância do fortalecimento dessa rede”. Sobre seu trabalho, ela explicou: “Passamos a integrar recentemente o Centro de Atenção à Vida, um serviço específico para o atendimento da depressão”. Ela também sugeriu discutir o tema em outro momento: “A gente está discutindo a rede de saúde do município de João Pessoa. A parte de entrada, Rede de Atendimento Psicossocial (RAPS) se inicia na atenção básica. Às vezes, o familiar está em casa com alguém passando por isso e não sabe para onde caminhar. É num momento como esse que a gente tem a oportunidade de salvar vidas e vidas são preciosas”.
Por fim, Gilberlândia Dantas contou que foi a partir de uma palestra que ela desistiu de tirar a própria vida. “Passei por um ano de depressão e falavam que isso não existia. Comecei a me mutilar. Eu me sentia um problema. Recebi a mensagem de uma amiga que me convidou para assistir à palestra. Ela salvou a minha vida. Que possamos ser multiplicadores de salvar vidas”.